Índia Zilda

"Tá cada dia mais bonita, hein filha."
Sessenta e seis anos, com sorriso postiço e cabelos de índia além dos ombros. Não tinha queixas e agradecia a qualquer um que lhe viesse ao leito.
Ela era uma senhora tão humilde que meu toque à sua mão para sentir o pulso já lhe fazia sorrir, e então logo dizia:
- Que mão quentinha. A minha está tão fria.
Eu explicava com cuidado:
- É porque estava andando para lá e para cá, dona Zilda.
Sorria.
O coração da senhora era grande e bonito, mas parte estava a fadigar. Artérias obstruídas tal qual parte de um caminho nosso cheio de pedras. Retirá-las e deixar o sangue fluir.
Dona zilda partiu a desentupir os canos do coração. Tão bela e feliz sem dentadura, que era como se houvessem dentes de ouro de Deus pendurados ali. Era uma despedida da terra. Uma Índia nua sem as batidas do coração.
Vestígios da terra se dissipam no universo. A fragilidade do humano me impressiona a cada ida, a cada suspiro.

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