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O sangue de José

 Era o primeiro quarto no segundo corredor. A primeira vez que o vi estava sedado e entubado, à mercê dos disparos do ventilador. Dia primeiro de setembro de dois mil e vinte. Demorei a examiná-lo já que não havia o problema de estar incomodando-o, tampouco o contrário. Parei em frente à ele, e contemplei cada cicatriz e hematoma do seu corpo magro e esquelético. Auscultei seus batimentos e murmúrios com calma. Pronunciei em voz alta suas pontuações na escala neurológica.  Fiz dele um breve treino para recapitular a propedêutica.  No dia seguinte, passado o furacão de conhecer o desconhecido, estava ainda ele inerte com os mesmos olhos saltados, porém respirando já com os próprios pulmõezinhos pequeninos, sem tubos, sem drogas. Não ditava frases inteiras, porém articulava com nitidez palavras-chave. Articulava com os lábios e as pupilas daquele olhar de interrogação. José Ricardo, que já tinha a tetraparesia do doente crítico, movia-se com as lágrimas escondidas nas quinas do olhar.  E