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Catarina

  Catarina foi até a quitanda comprar morangos. "Não há morangos,senhora. Há graviolas." Bastaria sair daquele porão velho sem as cem gramas de morangos e achá-los, enfim, em outro lugar. Entretanto, não sabia negar e aceitou uma dúzia de graviolas do vendedor velho. Levou-as pesadas e sentiu-se plenamente cansada ao chegar em casa. Era como se estivesse suportando uma fadiga alheia. Quando descascou a fruta, viu-a podre e escura por dentro. Não as queria. Comprou-as por quê? Porque sua segunda opção definida eram graviolas, claro. Não, não seja hipócrita, Catarina. Porque gostaria de ajudar o senhor Amélio. Não, definitivamente não seja hipócrita. Porque as graviolas chamaram-lhe atenção. Sim, eram tão bonitas e atraentes que pareciam doces.               Não sabe ir contra seus pensamentos, contra o senhor Amélio ou qualquer um. Não sabe fixar-se num ponto e manejar seus microcosmos sem sair dele. Não sabe, não sabe! Não sabe que há centenas e centenas de morangos vermel

Uma flor que pouco me importa.

Pudera eu não me apaixonar por esse teu discurso. Pela tua poesia prazerosa. Pudera eu. Fico cá a pensar que sou tola mesmo para gostar desse poema do dia útil. Talvez seja melhor pensar que um”bom dia” é necessidade e não, carinho. Um olhar é humano e não, amor. Essa tal mania de embutir versos em plena segunda feira faz mal e leva a alma para um universo frívolo. Esse universo em que mergulho ao ouvir teus olhos e voz. Penso que deva ser mais singelo do que aparenta. Esse colar dourado que vestimos não é belo, não. É riqueza.        Se todo o gostar é prescindível, precisaria saber também como controlo esse bombardeio de sangue no meu corpo quando tu apareces com a retórica original. Precisaria saber qual é teu pleno e indiscutível estado de podridão para perder a vontade de confessar minha admiração estupidamente sufocada. Qual a parte do seu âmago mais desmoralizada. Com toda a verdade, tu precisarias cuspir à beira do pôr do sol no oceano e rir de um modo repugnante a minha fr

uma saudade desconhecida

       O que se descobre quando as teclas do piano velho de casa estão empoeiradas? Quando os grandes e eternos indivíduos da infância mudam de cargo? Talvez descubra-se a asfixiante fluidez do tempo transparente ou a existência de amores estupidamente relativos. Talvez descubra-se o beijo gratuito da humanidade majoritariamente inválida. Os versos da vida parecem crus e simplificados. Sinto como se as extremidades do meu corpo estivessem presas a pontos cruciais da Terra. Meus movimentos são marcas de uma sincronia universal. Meus movimentos? Quero dizer-lhe que o admiro imensamente, quero olhar seus olhos e mostrar-lhe os meus. Observar seu sorriso bem de perto. Quero dizer-lhe que penso em seus discursos penetrantes e incontestáveis. É deveras poético, senhores do mundo. É deveras inútil. Inútil, inútil.      O que se descobre quando a gangorra, o medo da escola e o brinco de ouro tornam-se mastigáveis?Sinto ânsia ao entender ou dar-me conta desse revolucionar em vida. Sinto vontad

Uma casa

     Ainda há tempo para quebrar as janelas? As portas? Há tempo para para sair de dentro dessa casa oca e branca? Há tempo para respirar o ar de fora? O tempo é nosso algoz. Coloca-nos sobre a mesa e examina-nos enquanto envelhecemos. Lá fora,há tempo ou vida? Alguém quer explicar-me, por favor, o que há lá fora? Alguém ainda aguenta respirar ao pé de um ventilador cinza? Lá devem estar os meninos famintos com o lençol de concreto. Meninos famintos da longa avenida fuliginosa. Querem comida e aqui, prata. Por que afinal estamos estáticos nessa grande construção? Trilhões de olhos cegos, trilhões de mentes enlatadas, trilhões de humanos feitos de terra úmida. Trilhões de moças fatigadas ao som de teclas. Moças presas, que almejam os troféus dos degraus acima. O que queremos é felicidade ou centenas de expressões boquiabertas ao redor? Coloquemo-nos juntos diante da porta e deixemos entrar o ar aqui. Há alguma cola em nossos corpos. Estão todos centrados em um único ponto da