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À porta

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Desceu as escadas subitamente depois de ouvir o som da campainha e das fortes batidas na porta de madeira. O batom que deixara na mesa de jantar na noite anterior atentava-a para se arrumar. Pintou o contorno dos lábios de vermelho e tingiu os beiços vistosos de carmim. Passou sobre os olhos o delineador preto e por fim, pendurou seus brincos de pérola, que se perdiam entre as ondulações dos longos e grossos fios de cabelos castanhos. Olhava-se no espelho como a moça rainha da primavera, que marcadamente estreara no dia anterior. Sim, a primavera dos desejos apetitosos, das felicidades ingênuas e da vontade de colocar orquídeas sobre a pedra dos finados eternos. Como então amante das flores, faltaria o perfume. Deixara-o no armário do quarto, muito bem guardado para ocasiões especiais. Espirrou-o sobre os punhos, roçando-os na nuca. Aquele era o aroma suave, porém marcante que a fazia sentir-se mulher por inteiro. Ouvia novos estrondos na porta como a revelar suposta impaciência.

Pulsação irreversível

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Estão lá a registrar o nome de todas nossas partes na toalha do céu, ou do mundo. Andam a cadastrar as mais lindas minúcias nas folhas recicladas de seu reino. Cloto tece e guia-nos para o início do desconhecido; Laquésis enrola os fios da vida sob seu corpo, dando-nos a encrenca do que é ser humano e Átropos finaliza o trabalho da eternidade que é viver. Fatalmente, esse encargo de vasculhar os ditos labirintos da realidade é linear e coloca-nos, enquanto seres vivos, numa guerra de freqüente início esplêndido e rude fim. Quaisquer que sejam os minúsculos ou imensos potes de bronze, prata ou ouro, um súbito tiroteio tem dimensões e balas suficientes para acertar nossa porção mais vulnerável. Porção essa que provavelmente ainda não foi bordada na emenda de retalhos do mundo. A bala de Átropos derruba nosso corpo contra a terra e finda o pulsar de um organismo até então incessante. O tecido da vida será, então, exposto aos admiradores ou esquecido sob a estante da sala de trabalho

Aceite.

Quero lhe dar uma rosa. Uma rosa branca com manchas violetas. Uma rosa para você deixar naquela estante de madeira velha e descascada ao lado da sua cama, do seu armário grande e da sua cadeira desconfortável. É, menino, quero lhe dar a rosa ao fim dessa tarde tão angustiante pela espera de ver teus olhos escondidos atrás desses vidrinhos, de ouvir algum som dos seus lábios. Eu sei que para você basta uma rosa por mais podre e mal tratada que seja. Sei que você sabe olhar pétala por pétala e construir, então, um buquê de poesia. Você entende, não é? A sua poesia. Não quero muito que agradeça meu presente, mas sim, preciso que o aceite calado, por favor. Se dissesse algo, estaria cumprindo a cerimônia social. Cansei um pouco dessa sua capa preta e por isso, gostaria que fitasse minha flor vestido com sua alma mais primitiva e bela. Aquela sua alma desnuda e admirável que fala no meu ouvido e adverte meus sentidos a prestarem atenção na ideia que está por vir, na melodia que está por