Aceite.

Quero lhe dar uma rosa. Uma rosa branca com manchas violetas. Uma rosa para você deixar naquela estante de madeira velha e descascada ao lado da sua cama, do seu armário grande e da sua cadeira desconfortável. É, menino, quero lhe dar a rosa ao fim dessa tarde tão angustiante pela espera de ver teus olhos escondidos atrás desses vidrinhos, de ouvir algum som dos seus lábios. Eu sei que para você basta uma rosa por mais podre e mal tratada que seja. Sei que você sabe olhar pétala por pétala e construir, então, um buquê de poesia. Você entende, não é? A sua poesia.
Não quero muito que agradeça meu presente, mas sim, preciso que o aceite calado, por favor. Se dissesse algo, estaria cumprindo a cerimônia social. Cansei um pouco dessa sua capa preta e por isso, gostaria que fitasse minha flor vestido com sua alma mais primitiva e bela. Aquela sua alma desnuda e admirável que fala no meu ouvido e adverte meus sentidos a prestarem atenção na ideia que está por vir, na melodia que está por ser cantada, na poesia que está por ser declamada da forma mais trivial e verdadeira. Adverte-me a colocar os óculos para que a miopia não proclame minha indiferença. Gostaria que guardasse a branca rosa não por eu ter lhe dado, mas por ter recebido.
Sei que há milhões de rosas aí no seu quarto. Sei que há pétalas das mais diversas cores espalhadas nos teus lençóis e no seu piso encardido. Sei que você se perde entre a miríade de pupilas dilatas para enxergar seu rosto no meio do palco. Sei, sim. Entretanto, ainda quero lhe dar minha única rosa para ter a certeza de que, pelo menos, tentei ser um singelo porta-retrato. Aceite-a e ligue o carro. Mande uma carta dizendo que não a regou. 

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