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Sobre uma alma deitada ao chão.

Braços erguidos perpendicularmente sobre um tórax úmido. O peso de nossas vidas vivas em direção a essa reticente despejada sobre a terra. Cento e vinte segundos com a intensidade de um beijo de despedida. Seus olhos a esmo pedem clemência por ressurreição ou fim de alívio. Seus olhos traduzem-se em versos que reverberam e transpassam as grades enferrujadas da minha mente, ao passo que aqueles outros negros juram ver o túnel. Encravados sob suas crenças e planos, anunciam a compra da passagem para sentar-se sob a poltrona desse avião miserável. Miserável para nós. Para quem mais?  De fato, lágrimas cristalinas e sorrisos amáveis não têm a potência de uma droga avassaladora nem de membros humildes a tentar solicitar a esse coração que permaneça, sim. Não só basta agir cordialmente. De fato, aquela menina pálida das vísceras curtas pra quem peço um sorriso têm mais náuseas do que forças para ingerir meu colorido por vezes hipócrita. De fato, sobreviver diante de um mar revolto já não

Da lua cheia de minha janela quadrada

Uma lua cheia olhou nos meus olhos hoje. Encarou-me com seu reflexo de luz penetrante e ousou tirar seus casacos de nuvens para deixar à mostra os nus ombros da noite fria. Era, então, o som da lua a despejar seu vestido sobre o meu quintal e querer brilhar muito mais que de costume. Era o som dela, chamando-me pelo nome para apreciar a imensidão de um céu inacessível. Estiquei meus braços em direção ao alto e fingi tentar subir para conversarmos mais de perto. Lua inquieta que não suporta ser menos que cheia para gritar no meu ouvido. A ópera da natureza, por instantes, conduziu-me à calmaria das minhas ânsias e lágrimas de ambições. A canção de um escuro pincelado com poucos graus centígrados ressuscita a ideia de que sou mortal e transformo-me em claves de sol de um poente do universo. Qualquer tristeza se dissipa num som que mais cedo ou mais tarde será melodia no céu de alguns outros. Quem sabe essa canção não sejam resquícios de lágrimas dos olhos verdes de meu vô. Lembro-me de

miseráveis chãos e tetos instigantes

Casas enfileiradas, buracos e escadas que nos conduzem a becos domiciliares. Um recinto constituído por colchões espalhados no chão úmido e inóspito não recoberto por azulejos, cabeças despejadas nesses fragmentos de lã. Um odor forte e penetrante impregna em nossos corpos e institivamente faz-nos querer sair para respirar por instantes um ar menos carregado. Uma atmosfera escura e sufocante embala-nos sob os móveis e quinas da pobreza, e permite-me ver pouco detalhadamente os olhos negros que nos recebem aos seus palácios de granito e poeira de tabaco. Dentes cinzentos consumidos pela nicotina, que os impele ao esquecimento de toda a podridão macerada nessa terra ao redor e põe-os alheios a tudo que é vão. Vida vã cerrada nos fundos de um quintal com singelas vestimentas. Muitas dessas lavadas, úmidas e já vestidas no corpo magro. Durante tanto tempo ali, acostumo-me com o cheiro marcante e característico que exala. Não há tanto mais cheiro e tampouco escuridão nas lacunas desses corp

um trecho sobre Isabella

Isabella já está com olhos amarelados como uma vidraça do casarão abandonado, estilhaçada. Olhos úmidos e fatigados contemplam nossas facas e pedem-nos clemência ao fitarem a alvura dessas paredes. Olhos de boneca, que vão por onde os levam sem revidar. Pupilas jovens castanhas parecem questionar o fim e o início da vida, cujo volante nunca fora seu afinal. Eu encaro suas vísceras então contaminadas, deterioradas, fétidas pela terceira vez e lembro-me, enfim, de que são suas ao ouvir o som sua voz a reclamar de dor. Um organismo que necrosa pertencente a uma alma tão pueril e inexperiente. Pertencente a você, Isabella bela que baila nas macas pelos becos dessa casa inóspita. Isabella briga, boia seu âmago sobre os balões dessa mesa posta. Isabella a quem almejamos brilhantes preces apesar de toda a ciência entupida nos ralos desse quintal. Vidas deslizam nesse fio do tempo e põe-nos reflexivos quanto a esse sucinto e veloz trajeto, quanto à dimensão de nossas vicissitudes tão máximas e