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No leito nove.

 A porta de entrada eram os bráquetes dos seus dentes, os lábios ressecados e os olhos cansados. Tão magro que os braços e pernas se uniam ao tronco como um bloco. Ele nem sabia descrever ao certo sua queixa de tão humilde e escasso que era o leque de seu vocabulário. Eu perguntava sobre sua vida, e puxava com esforço a cordinha que me levava até o lugar onde queria chegar. Então, descobri que trabalhava em indústria de cromagem, e não estudava mais.  Ele tinha vinte e quatro anos, mas vendo-o ali tão frágil e derramado sobre o leito, dava-lhe facilmente dezoito. Era novo, porém seu corpo já era um turbilhão de reações orgânicas e mutações. Foi premiado com uma provável leucemia mieloide crônica, e de rua em rua, hospital em hospital, chegou ali em nossas mãos para ter sua doença solucionada de uma vez por todas. De uma vez por todas, por favor. Eu tinha pouco mais que sua idade, mas possuía naquele momento a propriedade absoluta de intervir de algum modo nas célulazinhas de seu corpo