uma saudade desconhecida
O que se descobre quando as teclas do piano velho de casa estão empoeiradas? Quando os grandes e eternos indivíduos da infância mudam de cargo? Talvez descubra-se a asfixiante fluidez do tempo transparente ou a existência de amores estupidamente relativos. Talvez descubra-se o beijo gratuito da humanidade majoritariamente inválida. Os versos da vida parecem crus e simplificados. Sinto como se as extremidades do meu corpo estivessem presas a pontos cruciais da Terra. Meus movimentos são marcas de uma sincronia universal. Meus movimentos? Quero dizer-lhe que o admiro imensamente, quero olhar seus olhos e mostrar-lhe os meus. Observar seu sorriso bem de perto. Quero dizer-lhe que penso em seus discursos penetrantes e incontestáveis. É deveras poético, senhores do mundo. É deveras inútil. Inútil, inútil.
O que se descobre quando a gangorra, o medo da escola e o brinco de ouro tornam-se mastigáveis?Sinto ânsia ao entender ou dar-me conta desse revolucionar em vida. Sinto vontade de desmoronar essa nossa casa amarela e deixá-la intacta na fotografia. Sinto um vazio percorrer o corpo inteiro e tirar o sangue dos meus membros, face e tronco. Perdida, sinto-me perdida entre o que talvez nunca tenha sido e o que será. Perdida a milhares de quilômetros de quem eu pensava ser. É como se tentasse segurar em um apoio ao cair infinitamente e não achasse nada. Simplesmente nada. O que há mesmo é a saudade dolorida e queimante e o piano velho, sem som e poesia.
Vão-se as vontades, os projetos e os caminhos mas o queremos, afinal, é a felicidade. Entretanto, fingir-se feliz não dura muito. Fingir-se satisfeito não tarda a acabar. Fingir não se apaixonar somente provoca corrosões notórias na alma. É preciso ter bastante força para viver verdadeiramente, viver pronto e rijo. É preciso ter coragem para realizar o necessário como se a morte estivesse ao nosso pé, no último segundo do dia. Estamos tão aflitos pela aprovação da nossa proposta em uma terça-feira e pela apresentação em uma quinta-feira de manhã que a vida alcança dimensões minúsculas cujos limites somos nós mesmos e a camada mais superficial de outrem. Estamos tão aflitos que a nossa música perde a intensidade irreversivelmente. Sim,irreversivelmente.
Enquanto isso, a moça que vende doces muda de bairro, o senhor dos olhos verdes vai julgar a beleza dos trilhos do céu e a menina simpática embravece a ponto de não a reconhecermos. Restaria-me tocar as teclas para destruir toda a nostalgia que me cobre com a ida de todos esses seres humanos, porém o piano é velho e meus dedos também parecem ser. Será mesmo que não houve tempo suficiente para cativarmos os grandes indivíduos da infância? Será mesmo que não houve tempo para cativarmos nós mesmos e nossas vontades tolas e singelas? Não sei, não. Se fôssemos indivíduos certos e programados e dependêssemos exclusivamente de nós mesmos... Não, somos milhares de argolas conjugadas umas às outras. Agradar a eles ou a nós mesmos? Milhares de argolas. Milhares de âncoras.
Andar sozinho a esmo nessa paisagem exuberante é trivial. A suprema vitória mesmo trata-se de seguir pisadas no asfalto imundo. Está certo, nunca foi de outro jeito. Não teria por quê queixar-se de algo cotidiano, da saudade crescente e da vulgaridade. Está certo, é assim mesmo. Essa música nem sempre está no mesmo volume. Nem sempre está no mesmo tom. Nem sempre é audível. Esses versos e essa vontade de dizer-lhe afinal também são um pouco vagos. Está certo.
O que se descobre quando a gangorra, o medo da escola e o brinco de ouro tornam-se mastigáveis?Sinto ânsia ao entender ou dar-me conta desse revolucionar em vida. Sinto vontade de desmoronar essa nossa casa amarela e deixá-la intacta na fotografia. Sinto um vazio percorrer o corpo inteiro e tirar o sangue dos meus membros, face e tronco. Perdida, sinto-me perdida entre o que talvez nunca tenha sido e o que será. Perdida a milhares de quilômetros de quem eu pensava ser. É como se tentasse segurar em um apoio ao cair infinitamente e não achasse nada. Simplesmente nada. O que há mesmo é a saudade dolorida e queimante e o piano velho, sem som e poesia.
Vão-se as vontades, os projetos e os caminhos mas o queremos, afinal, é a felicidade. Entretanto, fingir-se feliz não dura muito. Fingir-se satisfeito não tarda a acabar. Fingir não se apaixonar somente provoca corrosões notórias na alma. É preciso ter bastante força para viver verdadeiramente, viver pronto e rijo. É preciso ter coragem para realizar o necessário como se a morte estivesse ao nosso pé, no último segundo do dia. Estamos tão aflitos pela aprovação da nossa proposta em uma terça-feira e pela apresentação em uma quinta-feira de manhã que a vida alcança dimensões minúsculas cujos limites somos nós mesmos e a camada mais superficial de outrem. Estamos tão aflitos que a nossa música perde a intensidade irreversivelmente. Sim,irreversivelmente.
Enquanto isso, a moça que vende doces muda de bairro, o senhor dos olhos verdes vai julgar a beleza dos trilhos do céu e a menina simpática embravece a ponto de não a reconhecermos. Restaria-me tocar as teclas para destruir toda a nostalgia que me cobre com a ida de todos esses seres humanos, porém o piano é velho e meus dedos também parecem ser. Será mesmo que não houve tempo suficiente para cativarmos os grandes indivíduos da infância? Será mesmo que não houve tempo para cativarmos nós mesmos e nossas vontades tolas e singelas? Não sei, não. Se fôssemos indivíduos certos e programados e dependêssemos exclusivamente de nós mesmos... Não, somos milhares de argolas conjugadas umas às outras. Agradar a eles ou a nós mesmos? Milhares de argolas. Milhares de âncoras.
Andar sozinho a esmo nessa paisagem exuberante é trivial. A suprema vitória mesmo trata-se de seguir pisadas no asfalto imundo. Está certo, nunca foi de outro jeito. Não teria por quê queixar-se de algo cotidiano, da saudade crescente e da vulgaridade. Está certo, é assim mesmo. Essa música nem sempre está no mesmo volume. Nem sempre está no mesmo tom. Nem sempre é audível. Esses versos e essa vontade de dizer-lhe afinal também são um pouco vagos. Está certo.
Ceci, querida. Belo texto. Retrata bem esse momento em nossas vidas. Não é um momento triste, mas também não é feliz. É repleto de dúvidas e ansiedade. Gostei muito pois o sentimento que passa ao leitor é o sentimento que temos ao refletir sobre a vida.
ResponderExcluirAcho que seu texto contém muitos temas juntos, temas que dariam vários novos poemas. Gostaria de ler mais sobre esses temas, Ceci.
Mafe
Mafê,obrigada pelo comentário!Você tem razão:eu deveria mesmo dar corda a esses vários temas embutidos.
ExcluirVocê deveria valorizar mais esse seu lado poético Ciça... esse realmente me tocou :)
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