Sobre Aline, sobre linhas

A moça se despede de uma terra estrangeira com as mãos sujas de lama. À sua frente, encara um oceano mais limpo que os lagos da sua origem. Respira um ar emprestado e à expiração, confessa ao mar o turbilhão de ideais que brotaram nos labirintos de seus neurônios. Não brotam mais?
 Era ela moça decidida e de coragem. Entretanto, estar à mercê da imensidão da vida a põe mais vulnerável a sentir os ventos do destino. 
Agora em terra mãe, a moça redescobre o gosto do café em xícara própria e minimiza os defeitos da rua onde mora. Abre a porta da sala e ao espelho, encara sua própria imagem. Ali estavam os cabelos mais compridos, os olhos mais cansados e o âmago revirado e surrado pelo sal de águas desconhecidas, pela companhia de seres humanos culturalmente intrigantes. Observa ao redor os móveis intactos, os quadros da parede escondidos sob a lâmina de pó que se acumulara naqueles meses e as estatuazinhas que tanto apreciava à estante. De fato, tudo estava intacto. O que não o estava era ela própria. Sentia-se estrangeira nos próprios cômodos. Era preciso, portanto, reapresentar-se à moradia, e despejar sobre a mesa os cacos de vidro que guardava consigo. 
Flutuar às naves do mundo lhe trouxe conclusões a respeito do que deveria ou não parecer aos olhos alheios. Sentada sobre o chão da varanda, respira esse outro ar poluído (porém não emprestado) e sente-se livre à conclusão de agir conforme sua vontade. Retira as próprias algemas e enxerga as costas da felicidade, nua, delgada e tímida nas quinas de seu apartamento. Usa os punhos leves para se levantar e contemplar as construções verticais da cidadezinha medíocre.  
Em meditação consigo mesma, fecha os olhos durante três minutos, sente o cheiro do seu casulo e ouve o som do movimento urbano. Mergulha nos próprios vulcões daquele instante e jura obedecer seus limites e sentimentos, à mercê das iscas que o acaso lhe lançar. Jura contemplar as próprias tatuagens e trazer significado a elas, sem que as vozes da cidade as definam em dicionários conceituados. 
Abre os olhos, corta os fios de cabelo à altura dos ombros e deposita no lixo emoções que gostaria de reciclar. De fato, reciclar. Sentimentos transformados em ventos do passado, em pulseiras perdidas no oceano atlântico, em encontros intensos e finitos.
 Vê-se agora perdida nas lacunas da segunda ao domingo e inspira sob a paradoxal ansiedade aliviada. 
Perder-se é o caminho de encontro aos versos da própria poesia. É estarmos sozinhos nus de frente aos puros e cristalinos instintos. 
Sozinhos e nus. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Da lua cheia de minha janela quadrada

No leito nove.

A falta de mim dentro do outro.