O menino dos fios de ouro


Sentado ao colo da avó, estavam os olhos verdes vistosos e ingênuos escondidos por baixo de fios de cabelo pintados em balde de ouro. Sentava-se ali aquela criança tão serena, que observá-la era como ler versos de uma poesia sinestésica. A ode lírica se fazia pela sua contemplação diante de nossas conversas de adulto ininteligíveis, pelas nossas piadas nada hilariantes à tentativa de ouvir sua voz.
Um menino esculpido pelos dedos angelicais do céu misterioso e agora, pois, vagava ali no chão de barro. Parecia-me querer conhecer as quinas do universo e entender, sim, o motivo das cores, das letras, dos nomes. Entretanto, como haveria de começar a reconhecer o canto dos canários se ao acordar àquele colchão não encontra quem lhe explique a orquestra da vida? Com seis anos, acumula as palavras que encontra pelo chão. Recolhe-as no bolso e utiliza-se dos olhos cristalinos para preencher o vazio dos vocábulos que tem.

“É hora de almoçar, menino. Sente-se aqui.”

O guri se ajeita acanhado no cômodo tão maior que seu corpinho, que quase já se escondia por baixo da mesa de vidro. Examina os alimentos com propriedade. Sim, inevitavelmente com poesia. Embora novato nas sutilezas desse firmamento, conseguia assumir a compostura de um pajem. Utilizava-se dos talheres sem grandes dificuldades e alimentava-se em silêncio. Seriam agora novos paladares a carregar junto com as palavras do bolso.

Apreciei-o indo embora de mãos dadas a braços longos inexperientes. Quais crianças se põem a nascer assim entre placas tectônicas e degustam a infância ao gosto de lavas de vulcão? Ao longe, olhou para mim mais altivo que à primeira vista e li perplexa o fim daquela poesia tão bela e melancólica. O sorriso entreaberto dos dentes irregulares se esboçava já à despedida e a beleza do menino, enfim, se esfumaçava na calçada das ruas da cidade.

Ao menino dourado pintado à poesia do acaso, mais luz do que essa dos teus cabelos.
Ao menino dourado afogado no lago de letras perdidas, mais palavras no bolso pequeno para que, à próxima vez, as frases completem esse olhar verde.



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