Ida

Uma fotografia, após alguns dias, exala a saudade que guardamos na gaveta para senti-la agora. Pela cabeça, percorrem segundos de felicidade e vitória. Linhas titubeantes e fios esgarçados se dissolvem na memória para termos a falsa ideia de que todos os traços foram precisos e perfeitos. Por quê é que esse desejo de abraçá-lo vem à tona agora como num segundo de tempestade?
Ondas revoltas nos guiam a uma praia desconhecida e talvez o receio de atracar em areia inédita nos faça querer viver o que é verdadeiramente nosso por hora. Sim, um desespero de viver o que é verdadeiramente nosso.
Sob tempestades de sentimentos e mudanças bruscas, nos agarramos ao que vai tornar-se antigo em instantes. Em instantes, os trilhos vão se render a outra população nem melhor nem pior. 
Talvez devêssemos ter confessado a essa gente nossos segredos antes da maré nos convidar à despedida. Lembrar de desejar e chamar a felicidade com a intensidade de um fim dá imenso trabalho e a vida acaba cintilando em picos da estrada. Acaba por cintilar nas fotografias em sépia que queremos expor em recordações bonitas. Somente expor? É claro que questionar excessivamente o que foi e será fatalmente nos sufoca, porém que nos façamos periodicamente o convite de querer cantar nossa música com prazer, a cada dia, para essa lembrança se consolidar naturalmente, sem desespero. Para essa era de despedida florir nos galhos do quintal de casa. Serão flores da infância, da escola, de meu vô, de horas despejadas sobre preocupações aparentemente avassaladoras, dos meus olhos caleidoscópios e da minha eterna mutação que colorem esse quintal. Flores de saudade caem sobre o telhado, de modo que eu possa sentir o cheiro de tudo o que já vivi, a cada vez que andar pela minha própria casa. Sentar-se sobre a cadeira desse trem e admirar numerosas e diferentes paisagens seria a melhor viagem. O medo do diferente é o medo de nós próprios. Ver-se refletido no espelho d'água de oceano inédito é torturante.
É uma eterna mudança, um eterno florir. Vamos, então!
 Flores angustiantes. Flores, que coroam a entrada de novos sois.

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